Há muitos caminhos para a vitória, mas um passo que é sempre obrigatório para triunfar é saber identificar seus inimigos. E Portugal falhou neste processo na Copa do Mundo de 2022. Por conta das polêmicas no ex-clube e por seu momento técnico ruim, incompatível com o status de astro mundial, Cristiano Ronaldo foi alçado ao posto de adversário no caminho português para o sonho do título mundial. Mas, no futebol, o verdadeiro rival está sempre do outro lado do campo.
Faltou timing a Cristiano Ronaldo com uma entrevista polêmica às vésperas da Copa? O ambiente está afetado com a saída de Cristiano Ronaldo do Manchester United? Cristiano Ronaldo aceitou bem a reserva? Portugal joga melhor sem Cristiano Ronaldo? Os jogadores sentem obrigação de passar a bola a Cristiano Ronaldo?
Todas essas perguntas foram feitas por jornalistas em entrevistas coletivas de Portugal antes e durante o Mundial do Catar. Sim, a cobertura sobre uma seleção portuguesa que tinha chances de ser campeã mundial girou em torno do craque. Mas quando foi diferente desde que ele chegou ao nível de craque mundial? Assim foi em 2010, 2014 e 2018.
Porém, desta vez, atletas e treinador demonstraram maior grau de impaciência com questões sobre o camisa 7. Afinal, a geração atual é muito mais brilhante e com mais estrelas do que as anteriores. Este clima, unido às atuações insatisfatórias dos portugueses na fase de grupo e do momento muito ruim vivido por CR7 na temporada, geraram uma espécie de clamor popular para que o maior jogador português da história fosse para o banco de reservas.
O experiente Fernando Santos, que muitas vezes se mostrou muito melhor gestor de grupo do que um treinador genial, cedeu – e em pleno mata-mata. Alçou Gonçalo Ramos, um garoto de 21 anos, ao posto de titular e colocou no banco Cristiano Ronaldo. Uma atitude corajosa e, talvez, até mesmo necessária. A impressão de que, em 2022, CR7 mais atrapalha do que ajuda, foi potencializada por uma goleada por 6 a 1 sobre a Suíça com um hat-trick de Gonçalo. Golaço de Fernando Santos. Certo?
Talvez. Mas colocar o craque no banco não era suficiente, e Fernando Santos achou que seria. Basicamente, preparou seu time para enfrentar Marrocos da mesma maneira que pensou a estratégia contra a Suíça, por mais que os times fossem completamente diferentes. Abraçou a impressão de que bastava Cristiano Ronaldo não estar em campo para Portugal jogar melhor, usar todo seu potencial.
Até mesmo a imprensa, no geral, teve a mesma postura. Na entrevista coletiva da véspera do confronto contra os marroquinos, lá estavam, de novo, as perguntas sobre Cristiano Ronaldo e uma possível melhora do time sem ele. De dezenas de questões, no máximo cinco abordaram o adversário nas quartas de final ou as possíveis dificuldades do confronto.
No fim das contas, o time que foi a campo contra os marroquinos era basicamente o mesmo das oitavas de final, com a entrada de Rúben Neves no lugar de William Carvalho. Mas, obviamente, a partida foi muito diferente. Ali, Portugal mostrou suas fragilidades no longo trabalho sob comando de Fernando Santos: com defesa inconsistente em momentos decisivos e ataque dependendo mais das individualidades do que de um modelo de jogo. Marrocos, em campanha histórica, tinha os antídotos para esse tipo de estratégia: contra-ataque rápido, intenso, com jogadores altos e físicos; e marcação implacável, neutralizando talentos e um toque de bola pouco produtivo.
Resumindo: em poucas semanas, Portugal de Fernando Santos colocou Cristiano Ronaldo, suas polêmicas, sua maneira de roubar a cena e sua postura muitas vezes individualista como obstáculos para a caminhada rumo à final. Como alguém a ser neutralizado, colocado em segundo plano, no banco de reservas. E esqueceu que seus problemas iam muito além de um craque histórico em mau momento ou em fim de carreira.
Portugal tem talento de sobra para brigar por títulos e sonhar ser campeão mundial – com ou sem Cristiano Ronaldo, que provavelmente jogou sua última Copa do Mundo. Mas precisa entender que o banco de reservas não serve para tirar de foco algum de seus problemas, mas sim para ter um profissional capaz de resolvê-los como treinador.
Cristiano Ronaldo e Fernando Santos: protagonistas no fracasso de Portugal na Copa — Foto: AFP
Por Jorge Natan