Até o Fortaleza chegar à decisão da CONMEBOL Sul-Americana contra a LDU-EQU, o CSA-AL era o único time do Nordeste a disputar uma final continental: a extinta Copa CONMEBOL, em 1999. A saga de como um clube com poucos recursos quase conquistou a América do Sul é uma boa fábula de como era o futebol brasileiro naquela década.
A vaga na competição veio quase por acaso. Quarta colocada na Copa do Nordeste, a equipe alagoana só entrou porque o Vitória (campeão), o Bahia(vice) e o Sport (terceiro colocado) abriram mão de disputar o torneio.
Em grave crise financeira, o CSA-AL foi tetracampeão estadual naquele ano, mas fez uma campanha decepcionante na Série C do Brasileiro, então última divisão nacional, sendo eliminado ainda na primeira fase. Com a renúncia do presidente, o jovem Arnon de Mello assumiu o cargo, em setembro.
Com 23 anos à época, o filho do ex-presidente do Brasil Fernando Collor de Mello (1990-1992) seguiu os passos do pai, que comandou o clube no final dos anos 70.
"Fui o único candidato que se apresentou na eleição. A minha primeira atitude foi justamente aceitar a participação na Conmebol", disse o atual VP da NBApara a América Latina, ao ESPN.com.br.
Arnon fez uma política de contenção de despesas e apostou na utilização de jogadores formados na base. As dívidas eram tão altas no começo do mandato que o clube não assinava contratos de patrocínio para evitar que a Justiça levasse o dinheiro.
"Não foi fácil porque era a última edição do torneio e não haveria ajuda de custos ou premiação. Nós decidimos participar porque recebemos muito apoio da torcida e dos conselheiros. A cada jogo nós arrecadávamos recursos para pagar a conta da campanha. Era como se fosse uma vaquinha", explicou.
Talvez nem o mais otimista torcedor imaginaria que o clube iria despontar no cenário internacional poucos meses depois.
O escolhido pela diretoria para comandar o time foi Otávio Quadros, ex-meia do Palmeiras. Aos 36 anos, ele havia jogado naquele ano pelo próprio clube alagoano antes de assumir a função fora das quatro linhas.
"Era o nosso camisa 10 e capitão. A gente não tinha como trazer alguém que fizesse a diferença. A ideia é que ele fosse técnico e jogador ao mesmo tempo. Mas depois ele resolveu ser apenas treinador".
O elenco era formado por muitos jovens da base e outros atletas vindos de times grandes, como Fábio Magrão, emprestado pelo Flamengo. O principal destaque foi Missinho, que foi o artilheiro da competição ao lado de Marcelo Araxá, do São Raimundo-AM, com quatro gols marcados. O atacante, que tinha passado pelo Cruzeiro, faleceu aos 39 anos de câncer no esôfago, em 2014.
O meia Souza foi o jogador que teve a carreira de maior projeção. Ele foi multicampeão pelo São Paulo, incluindo a CONMEBOL Libertadores e o Mundial de Clubes de 2005. Apesar de ainda ser uma promessa de 20 anos, ele foi peça importante do elenco na campanha.
"Costumo dizer que foi uma preparação para tudo aquilo que eu vivi depois. Fiz meus primeiros jogos sul-americanos pelo CSA-AL", disse o atual comentarista da Band, ao ESPN.com.br.
Na estreia da Conmebol, o CSA-AL eliminou na disputa por pênaltis o Vila Nova-GO, que tinha o atacante Túlio Maravilha, antes de encarar o Estudiantes de Mérida, da Venezuela. No primeiro jogo de sua história fora do Brasil, o clube viveu uma situação inusitada. Muitos atletas não possuíam passaporte, e Souza nem sequer tinha certificado de reservista - uma das exigências na época.
"Um dia antes do embarque toda a delegação precisou tomar a vacina contra a febre amarela, era algo que não sabíamos. Quando fizemos a conexão, precisamos dormir uma noite no chão do saguão do aeroporto de Caracas (risos). Não tinha voo para todo mundo e alguns jogadores precisaram ir para a Colômbia e chegaram de carro", explicou Arnon.
Souza não passou por isso porque teve a bagagem roubada no aeroporto de Caracas.
"Foi a minha primeira viagem de avião. Tive que ficar para trás e fazer toda documentação de novo no consulado. O lado bom é que viajei com o Arnon e pude comer em restaurantes que nunca tinha visto na vida (risos)", contou o ex-meia.
Apesar dos contratempos, o CSA-AL conseguiu empatar fora de casa sem gols e depois venceu a volta por 3 a 1. O adversário superado na semifinal foi o São Raimundo-AM, outra vez nas penalidades.
"A gente não tinha expectativa de chegar tão longe. A cidade foi se animando e os torcedores fizeram uma grande festa", disse Arnon.
O adversário na decisão foi o Talleres-ARG. O time argentino era comandado por Ricardo Gareca, que treinou o Palmeiras em 2014, e tinha no ataque Darío Gigena, que fez depois três gols pela Ponte Preta no clássico contra o Guarani. A vitória evitou a queda no Brasileiro de 2003.
Com mais de 30 mil pessoas no estádio Rei Pelé, o CSA-AL venceu o time argentino por 4 a 2, com três gols de Missinho.
"Lembro que Maceió parou, lembro quando a gente foi para o aeroporto uma festa gigante", contou Souza.
A vantagem poderia ser ainda maior, pois a equipe alagoana vencia por 4 a 1 até os 41 minutos de etapa final, mas o segundo gol argentino deu uma sobrevida ao adversário.
O CSA-AL foi para a Argentina e encontrou um clima bastante hostil no dia 8 de dezembro.
"Existia uma pressão muito grande para um clube argentino ser campeão contra o Brasil. A gente não tinha ninguém lá da CBF para nos acompanhar. Ficamos um pouco sem suporte, mas isso não é desculpa", disse Arnon.
Os jogadores brasileiros foram impedidos de aquecerem antes do jogo no Estádio Mario Alberto Kempes. Com poucos minutos de jogo, Fábio Magrão foi expulso após supostamente encostar no árbitro, que havia marcado uma falta polêmica na entrada da área.
"O juiz expulsou de forma errada o Fábio. Quem encostou no árbitro foi outro jogador. Hoje com o VAR teríamos escapado disso", lamentou Arnon.
"Foi uma roubalheira gigante. Os caras colocaram a mão na bola dentro da área, e o juiz não marcava nada", reclamou Souza.
Com um jogador a menos, o time alagoano não conseguiu segurar a vantagem. Depois de abrir 2 a 0, o Talleres-ARG conseguiu fazer o gol que evitou a disputa por pênaltis aos 45 minutos do segundo tempo com Julián Maidana, que depois defenderia o Grêmio.
"Apesar da derrota, é um momento que a torcida guarda com grande carinho. Nós consideramos quase um título", disse Arnon.
Foi a última edição da Copa Conmebol, que acabou em função do calendário apertado e pela falta de interesse dos clubes. Anos depois, a entidade criou a Conmebol Sul-Americana como uma espécie de substituta para a antiga competição.
Para 2023, os pioneiros do CSA-AL torcem para que o Fortaleza tenha uma sorte diferente contra a LDU.
"Vou torcer muito para trazer esse título para o Nordeste", disse Arnon.
"O Fortaleza tem tudo para ganhar. Esse feito irá alavancar mais o nome do Nordeste", finalizou Souza.