Foto: Reprodução
Moradora diz que acordo feito entre órgão públicos e Braskem não chega nem perto de contemplar afetados pelo problema
Fonte: Gazetaweb
“Antes de começar, deixe eu contar uma história, porque se colocar no lugar do outro é muito difícil e a empatia, às vezes, não acontece de primeira” , pede a moradora do Pinheiro Gardênia Nascimento, ao relatar que, após quase quatro anos desde as primeiras rachaduras aparecerem, residentes dos quatro bairros afetados pelo afundamento do solo em Maceió se sentem “injustiçados, abandonados e desesperados”. De acordo com o Serviço Geológico do Brasil, a petroquímica Braskem é a responsável pelo desastre.
Gardênia é arquiteta e restauradora, engajada na busca por justiça em relação ao problema causado pela extração de sal-gema em Maceió. Os bairros Pinheiro, Mutange, Bebedouro e Bom Parto foram diretamente atingidos pela tragédia e cerca de 60 mil pessoas já foram removidas das localidades que apresentam maior risco de colapso, de acordo com as Defesas Civis Nacional e Municipal.
Ao pedir empatia, a maceioense diz que as pessoas estão “cegas de tanto ver” as imagens apocalípticas dos bairros abandonados e que a sociedade precisa compreender como o problema afeta toda a capital alagoana. Além disso, para a moradora, o acordo feito pelos Ministérios Públicos Estadual e Federal e as Defensorias Públicas do Estado de Alagoas e da União com a Braskem, não chega nem perto de contemplar os afetados pelo problema.
“É um exercício que eu faço pra ver se você me ouve e, em vez de dizer que a história é triste, resolve fazer alguma coisa pra ajudar a gente. Nós estamos desesperados. É um S.O.S”, afirma.
“Imagine que você está na sua casa e recebe um comunicado de que tem um mês para desocupar tudo. Se você não sair, mandam cortar a sua água e a sua energia. Você é obrigado. Você vai sair porque sou eu quem estou mandando. Eu vou lhe pagar mil reais por mês pra você alugar algum lugar. Não me importa se a sua família tem 10 ou duas pessoas”, inicia a moradora, que reclama do Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação executado pela Braskem.
“Depois disso, eu vou dizer que em algum momento eu vou ligar pra lhe dizer quanto vale a sua casa. Sim, porque você vai vender pra mim, mas sou eu quem digo o preço. E você vai esperar um mês, dois meses, três, um ano. Sem poder planejar a sua vida”, continua Gardênia.
“Quando um dia o telefone tocar, eu vou dizer que vou pagar R$ 200 mil pela sua casa, que vale R$ 400 mil. E você vai espernear, vai dizer que fez a avaliação com um profissional e que a casa vale R$ 400 mil. Mas você será ignorado, ninguém se importa. Sabe o que eu vou dizer? Você é livre para não aceitar, pode ir pra justiça, você vai virar vovô, vai morrer e não vai receber. E se depois você resolver aceitar, vai para o final da fila. E aí, você faz o quê? Não pode voltar [para a casa]. Nós somos reféns. O Ministério Público prendeu nossas mãos e os nossos pés e nos pendurou para o lobo da Braskem nos devorar”, argumenta.
De acordo com a Braskem, em junho deste ano, o Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação chegou a 6.834 propostas apresentadas às famílias das áreas de desocupação. Dos 14.319 imóveis localizados na área, 13.188 estão desocupados, ou seja, 92% das famílias foram realocadas, o que representa cerca de 52 mil pessoas removidas de seus bairros.
“Que alternativa eu tenho? A gente se sente injustiçado, como se todos fossem comprados pela Braskem. Não posso afirmar, não tenho provas, mas fica essa sensação de impotência”, diz a moradora. “Quem vai me defender? Tinha uma ação e arquivaram para fazer um acordo, o Ministério Público foi lá e fez um acordo no meu nome, sem falar comigo antes”, afirma.
Um outro morador do bairro, que pediu para ser identificado apenas como Fabrício, conta que a família aceitou a proposta de compensação apresentada pela petroquímica porque estava sem alternativas.
“A gente trabalhava, vivia ali, minha avó era vizinha, minha tia morava na rua em frente a nossa, eu nasci no Pinheiro, estudei, casei na paróquia, aprendi tudo o que eu sei ali. Tudo isso foi tirado de nós, de repente. Nos vimos sem perspectiva, sem dinheiro, sem empregos, sem a família e os vizinhos”, relata Fabrício. “Esse caos começou em 2018, aí vem a proposta de pagar uma mixaria pela casa que seus pais se mataram para conquistar, mas você precisa pagar contas, arcar com as despesas, familiares estão doentes, como não aceitar?”.
Essa semana, moradores dos bairros atingidos pelo afundamento do solo acamparam em frente à Braskem. Eles reivindicam agilidade no pagamento das indenizações e uma solução para o ilhamento social vivenciado pelas ruas e bairros que cercam as áreas atingidas. Os manifestantes foram surpreendidos com uma decisão judicial que impediu a mobilização.
Na ação movida pela Braskem, a empresa alegou que os moradores estavam ameaçando a integridade dos funcionários e o funcionamento do local. A manifestação reuniu famílias dos bairros de Bebedouro, Pinheiro, Mutange, Bom Parto, Flexal de Cima, Flexal de Baixo e Marquês de Abrantes, além de moradores de áreas do Pinheiro que não foram incluídas no Plano de Compensação.
“A criminosa faz e nós somos criminalizados por estarmos reivindicando. Foi uma revolta imensa entre os moradores. Não há portas para bater”, disse Gardênia Nascimento sobre a proibição de manter o acampamento na porta da petroquímica.
Morador do Bebedouro, Waliston Bastos diz que muitos moradores ainda não receberam a indenização devida e que a empresa não tem aceitado a avaliação dos imóveis feita por eles.
“Uma minoria recebeu essa indenização e, mesmo assim, numa quantia muito abaixo. Nós queremos saber quando e como vai ser feito esse pagamento e cobramos agilidade nisso. Até a avaliação dos nossos imóveis que fizemos por fora eles não aceitam, só aceitam a que eles fazem. Tem que ser da forma deles”, reclama.
Paulo tem 60 anos e mora no Pinheiro desde que nasceu. Sua casa não está localizada em uma área de risco e ele diz que testemunhou o bairro definhar e todo o entorno ir junto.
“O crime está acontecendo enquanto a gente respira. Não parou. E, mesmo que não tenha risco geral para a minha casa, que é meu único patrimônio, ela não vale mais nada”, reclama o senhor. “Minha mãe é muito idosa e todos os dias ela pergunta – meu filho, quando vamos resolver a nossa situação? E o que eu respondo? Não sei”, conta Paulo.
Ele diz que ninguém quer alugar as casas da rua em que mora, tampouco é possível vendê-las. Segundo ele, o saneamento é deficitário, o trânsito virou um problema e ninguém se sente seguro.
“Eu quero que a Braskem pague pelo que ela está causando à minha família, tanto no sentido financeiro quanto no sentido moral. Quem vive à beira do abismo que ela causou precisa ser compensado”, afirma.
A Defesa Civil de Maceió já considera áreas do Flexal de Baixo, Flexal de Cima e parte da Rua Marquês de Abrantes, em Bebedouro, como áreas de ilhamento socioeconômico. De acordo com o órgão, moradores dessas regiões cobram a inclusão no mapa de risco, alegando que também foram afetados pela extração de sal-gema.
“Essas populações começam a passar por um processo de ilhamento socioeconômico, vão perdendo a vida social, as igrejas, vão perdendo a força econômica. A população [que fica próximo às ruas afetadas pelas rachaduras] fica ilhada, isso causa uma afetação diferenciada porque essas comunidades não sofrem com as residências, mas a economia na região perde força. Neste momento, estamos vendo que essas populações precisam ser incluídas no mapa”, disse o diretor social Eugênio Dantas.
Por meio de nota, a Braskem diz que vem cumprindo rigorosamente as ações de apoio à desocupação das áreas de risco em Maceió, previstas no acordo assinado em janeiro de 2020 entre a empresa, o Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público do Estado de Alagoas (MPE), Defensoria Pública da União (DPU) e Defensoria Pública do Estado de Alagoas (DPE). Ela também informou que está seguindo com o cronograma do Programa de Compensação Financeira, que deve ser concluído até dezembro de 2022.